Segunda-feira, 5 de Outubro de 2015
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Quem não quer ver não é teimoso: é cego!

Crónica de uma noite televisiva (19:30 23:30)

 

 

Os sinais foram-se amontoando desde o início do ano.

Com números, sem números, contestáveis ou não, o desemprego baixou.

Baixou mal? Provavelmente, mas baixou.

A compra e o aluguer de habitação aumentaram. Há quem diga que foram os estrangeiros. Só eles?

O consumo interno aumentou e aumentou bastante. Aumentou exponencialmente a venda de automóveis, os produtos brancos perdem terreno face aos produtos de marca, o que significa bastante, o aforro das famílias diminuiu, o que também significa uma eventualmente retoma da confiança dos cidadãos.

Neste exacto momento já parece claro que a coligação PPD-CDS teve a maioria dos votos. Absoluta? É cedo e é improvável.

De todo o modo, das duas hipóteses em jogo, julgo que a pior será a formação de uma coligação negativa, ou seja a de a esquerda global (com todas as suas estrondosas diferenças) dar a António Costa um resultado de vitória na secretaria.

Seria surpreendente que o PC e o BE dessem agora uma mãozinha ao partido que atacaram com extraordinária dureza antes e durante a campanha.

Obviamente, escusava de o escrever (mas à cautela...) não votei na coligação (era o que me faltava!) mas não acreditei em Costa pelo que, pela terceira vez na minha vida eleitoral, votei em branco. Fiz trezentos e tal quilómetros para traçar um cruz raivosa no boletim de voto.

Voto desde que tive essa possibilidade e, nesse capítulo, não esqueço o facto de na única vez que a Oposição (1969) foi às urnas lá estive. Votei e fui delegado à mesa de voto na freguesia de Santo António dos Olivais, em Coimbra. Nas duas prisões que, depois, me caíram em cima, os meus interrogadores bem que recordaram rancorosa e ameaçadoramente esse gesto. Nestes anos post Abril votei quase sempre no PS. É provável que eu tenha mudado mas o PS, infelizmente, não mudou nada. A substituição de Seguro por Costa num processo duvidoso (dar voz a apoiantes cujo estatuto e sinceridade não tinham possibilidade de confirmação) trouxe de novo parte da “tralha” socrática para a ribalta e, sobretudo, perdeu-se num labirinto de denegação do real, de propostas antagónicas e de berraria em vez de argumentos.

Na televisão oiço argumentos espantosos. Parece que o partido mais votado teve uma “estrondosa derrota”! No dizer de dois representantes da esquerda mais clássica e radical isso dá, desde logo, razão às suas campanhas! O representante do BE disse mesmo que o Bloco era o grande vencedor do dia. O delírio entrou em roda livre.

O BE comeu boa parte dos descontentes do PS que não se reviam em costa, que não perdoavam a “traição” a Seguro. Recebeu, não tenho dúvidas, outros votos dos “indignados” que ou não votavam ou displicentemente terão confiado no PPD nas últimas eleições legislativas. Do centro esquerda ao centro diria há mais de meio milhão de votos que se passeiam consoante a conjuntura, as promessas e a aposta. O BE vai saber como funciona esta massa eleitoral acordeão. Volta sim, volta não, muda o sentido de voto.

Mais, é perfeitamente crível que a esmagadora maioria desse voto flutuante que agora caiu no regaço de Catarina Martins não partilhe nenhum dos objectivos essenciais do BE (sobre a dívida, sobe o euro, sobre a europa). O BE estava ali à mão e os cidadãos decidiram mostrar o seu descontentamento. Nesse capítulo o PC é mais fiável: tem um sólido campo eleitoral que varia pouco graças à memória e ao militantismo dos seus eleitores. Tudo isso graças ao facto de se posicionar fora do sistema. Todavia essa vantagem tem um reverso. O PC não intervém na política nacional nem nas grandes escolhas. Está ali, acantonado, a roer as saudades da URSS e do proletariado cada vez mais escasso.

O PC, que pode ser atirado para o quarto lugar (atrás dos “esquerdelhos” , dos padecentes da “doença infantil”), acha que os objectivos da sua campanha foram alcançados ou, pelo menos, foi isso que uma senhora responsável entendeu dizer. Isto que já é a miséria da política mostra bem a “miséria da filosofia” (Marx) em que se enredou o marxismo-leninismo indígena.

De todo o modo, desde a primeira eleição, o PC declara solenemente que ganha. Ganha sempre! Eu também ganho sempre o euro milhões. E a lotaria, a raspadinha... Só perco na vermelhinha, mas de facto nunca me tentei por tal jogo.

No campo socialista, a actriz Maria do Céu Guerra disse o indizível. O povo português (sic) “votou mal”. Citando o poeta, já que não se podem substituir os agentes políticos, estará na ordem do dia “substituir o povo”! Força Céuzinha, força!

Escrevi, há dias, uma crónica sobre a Catalunha onde sublinhava o facto de lá a maioria de votos ser simetricamente contrária à da maioria de mandatos. Todavia, no caso, o que, de facto, se discutia era a independência. E, nesse campo, um voto é um voto haja ou não deputados eleitos. Não contesto nem ninguém contesta a legitimidade dos independentistas para governar a Catalunha. É assim que funciona a democracia. Mesmo quando, no campo dos vencedores há divisões tão ou mais inconciliáveis quanto a que opunha catalanistas a espanholistas.

Entre nós, por muito que pese a certos espontâneos e recentes soberanistas, não se discutia a independência nacional. Setenta a oitenta por cento dos eleitores que se deram ao trabalho de ir votar, deram o seu aval à Europa, ao euro e ao arco da governação. Fingir o contrario é batota burra e cegueira maior.

António Costa, na melhor prestação eleitoral desta campanha (no discurso da assumpção da derrota) disse isso mesmo, recusou demitir-se - como parece ser uma tradição igualmente tonta (em política há altos e baixos, que o digam Churchill ou de Gaulle ou Soares)- e afastou a ideia de uma coligação negativa.

Convenhamos: nem o BE nem o PC realmente a desejavam. Teriam de se molhar, de ir à mesa das negociações, de ceder em pontos fundamentais antes de apoiar no parlamento um PS fragilizado onde alguns contam já as espingardas. Costa, queira ou não, vai ter de enfrentar os seus adversários mesmo se, e foi o caso, estes pouco ou nada fizeram durante a campanha. E não o fizeram porque fiados nas previsões de há vários meses temiam um eventual sucesso do actual líder ou, na hipóteses de uma vitória tangencial, a benevolência de Passos Coelho que recentemente declarara que não “afundaria” sem mais um governo socialista.

Costa, que tem largos anos por diante, já percebeu que não pode dispersar-se por várias frentes. E a interna é urgente. Mesmo vencido nas urnas há que pôr ordem na casa onde crepita uma surda revolta de barões socratistas e seguristas. Há que limpar as cavalariças de Augias, trabalho que Hércules teve de levar a cavo, Até agora, Costa teve via livre. Se quer continuar o seu destino de menino prodígio que entrou para a JS com mimosos catorze aninhos, tem que dar á perna. E, em boa verdade, não se vê no horizonte próximo ou longínquo adversário credível.

Vamos, portanto, ter mais do mesmo, ou quase. A coligação PAF irá tentar governar, terá de negociar mas, se as coisas lhe correram bem, nada a impedirá de, daqui a um ano, dezoito meses, poder, se desafiada, tentar com alguma eventual vantagem uma nova eleição.

Ainda deve haver quem recorde a aventura de Cavaco que, governando em minoria, só precisou de esperar um falso passo de socialistas e eanistas para ganhar com clareza uma reforçada maioria em duas eleições sucessivas.

Perante o que aconteceu, cresce a importância da eleição presidencial. À boca das urnas, o nome de Rebelo de Sousa surge destacado. Depois Maria de Belém Roseira e em terceiro lugar o recém nascido (politicamente falando) Sampaio da Nóvoa. Pessoalmente trata-se de criatura que só teria o meu voto se do outro lado estivesse Santana Lopes. Felizmente não está. Por mim o PS deveria, sem se deixar entreter por tolos cálculos, apoiar Maria de Belém. Tem experiência, tem talento e não é despiciendo o facto de ser mulher. E tem partido, convicções e percurso, tudo coisas que não se viram até agora em Nóvoa, ia a dizer névoa. E desse espesso estado meteorológico nem D Sebastião surde. É tempo de permitir ao ex-reitor da Universidade de Lisboa uma tranquila e apagada jubilação. Tão serena e inconspícua como foi o seu trajecto politico nestes longos anos em que nunca o vimos.

R I P

 

 



publicado por d'oliveira às 17:55
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