Eu também não!
mcr, 11-9-22
No Público de Sábado, Pacheco Pereira vem dizer algo que deveria ser óbvio mas, pelos vistos, não é.
Declara que não pede desculpas por Wiriamu por duas especiais razões: porque esteve sempre contra a guerra e porque não faz sentido fazer um povo, um país inteiro responder por um acto criminoso, cometido em tempo de guerra por um reduzido número de soldados.
É verdade que o Governo da altura escondeu tanto quanto pode a história deste massacre numa guerra em que, dos dois lados os houve com fartura. Falo da guerra de África em geral e não de Moçambique em particular.
Por muitas razões de queixa que a UPA, (arvorando-se de certo modo em representante única das populações angolanas) tivesse, os massacres do início da guerra onde pereceram brancos e, sobretudo, (é bom não esquecer) muito mais negros barbaramente assassinados é um massacre absurdo e indesculpável. Pior deu azo a uma repressão medonha e marcou definitvament o cunho de uma guerra onde cad barbaridade justificava outra. Pode haver quem finja esquecer mas a pqlavra de ordem “para Agol depressa e em força” teve um profundo eco nacional e um fortíssimo poio popular. Foram precisos mais de dez anos de uma gurra onde quase se não via o inimigo para lentamente mudar a opinião de muitos portugueses. O massacre do norte de Angola (que, aliás, poderia responder aos massacres de Icolo e Bengo de quem quase ninguém fala)) pelos vistos, foi varrido para debaixo do tapete.
Deixemo-nos de conversa barata: as guerras são o campo ideal para tudo e sobretudo para a barbaridade. Um massacre leva a outro o que não desculpa nem o primeiro nem o segundo. Nem os que se lhe seguem.
Para isso, ao longo dos séculos, foi-se tentando impor regras, leis de guerra, defesa das pessoas civis ou soldados. Conviria lembrar que, por exemplo, a guerra em 1385 ou em 1640 era diferente da guerra contra os invasores franceses (e bem nos lembramos de populações portuguesas a chacinar, podendo, qualquer criatura que falasse “estrangeiro” o que levou o Exército inglês a tentar pôr um férreo e duro travão a certas milícias populares.
Está à vista o que se passa, neste exacto momento na Ucrânia onde uma horda invasora mata, pilha, devasta. É provável que resistentes ucranianos também não diferenciem o soldado russo que se rende do outro que dispara.
A famosa teoria do pedido de desculpas cujo episódio mais significativo (que me lembre...) é o do dr. Mário Soares a pedir perdão pelo massacre de judeus em Lisboa quando é sabido que a justiça real foi rápida em condenar, perseguir e punir os autores de assassínios e pilhagens (e aqui havia também muito estrangeiro embarcadiço no porto de Lisboa que ajudou à selvajaria e colaborou com a imbecilidade criminosa de um par de beatos na Igreja de S Domingos).E que, aproveitou para roubar o que pode de bens de cristãos novos ou de alguém que pudesse ser tomado como tal.
Convenhamos que quase 500 anos depois, as desculpas não fazem sentido. É um gesto semelhante à ordem de Xerxes para chicotear o mar...
Como Pacheco Pereira, recuso qualquer espécie de responsabilidade nessa história infame. Estive sempre do lado contrário à guerra e àditadura, não lutei em África por um bambúrrio (fui à inspecção antes da guerra estalar e fiquei “livre”) fui perseguido pelas minhas convicções e mais ainda pelas minhas acções que me levaram a Caxias por diversas vezes. Tenho na torre do Tombo 14 processos contra mim, foi-me interdita a entrada na carreira diplomática e por aí fora. No capítulo especificamente colonial, passei desertores pela fronteira e inclusive ajudei resistentes angolanos (um deles já com anos de Tarrafal) a tomar o mesmo caminho.
Depois, nada tendo a ver com o crime, também não posso em consciência apontar o dedo ao milhão de portugueses que fizeram, forçados quase todos, a guerra colonial. Guerra que, aliás, os 2militares de Abril também fizeram anos a fio.
O dr. Costa, filho de um oposicionista goês que terá militado nos “satiagrah” e que depois veio viver pra Portugal, resolveu pedir desculpa em Moçambique. É com ele mas de certeza não é comigo, nem com uma imensa maioria de portugueses que, seguramente, não aplaudiram a cobarde matança de Wiriamu. É verdade que não se revoltaram mas eu gostaria de ver (e sou boa testemunha desses tempo) quantos dos actuais “heróis” anti-fascistas que por aí pululam, seriam capazes sequer, de participar numa campanha promotora do voto nos anos que medeiam entre 1961 e 1974.
Lembraria que depois da revolução ninguém se lembrou (ou quis) investigar os factos (que eram recentes), identificar os principais responsáveis pela chacina, punir os deveriam ter sido punidos. E nesse “ninguém” estavam, estão ainda, todos quantos ocuparam cargos políticos em Portugal
Querem ajudar Moçambique, ou as populações moçambicanas? Então, quanto mais não seja, ajudem a construir escolas, postos médicos a desminar milhares, centenas de milhares de hectares de solo agrícola. O resto é conversa e patacoadas.
Advertência necessária: Wiriamu foi uma absoluta infâmia que, como se vê, atinge sem distinção portugueses e africanos pro-portugueses, incluindo os que se opunham à guerra e ao regime colonial e trouxe o luto a centenas de famílias negras da região de Tete. Nunca é demais recordar esta tragédia mas conviria separar o trigo do joio.
No meu caso e no de muitos outros amigos e camaradas da altura a denúncia foi imediata e as consequências disso foram as que se esperavam. Repressão, prisão e proibição de acesso a empregos dependentes do Estado ou da Administração para estadual.
Tentei pesquisar o que sucedeu à famosa 6ª Companhia de Comandos, tentei saber quem eram os seus participantes mas ou por ocultamento oficial ou por inabilidade minha nada obtive de concreto.
Em boa verdade, cinquenta anos depois de Abril continuam escondidos factos e nomes de agentes da repressão a começar por milhares de informadores da polícia e denúncias de traidores presos e que colaboraram com a pide. Tenho a profunda convicção que toda esse gente continuou a sua vidinha sem problemas, cruzando-se porventura com as vítimas da sua miserável actuação durante os anos em que informaram e denunciaram milhares de cidadãos seus conhecidos. O tempo que já passou ajudou a limpar a memória tanto quanto a apressada inscrição em partidos post-25 Abril que nunca se preocuparam em saber quem eram e donde vinham tantos “democratas” de pura cepa.
A mesma espessa cortina de silêncio caiu sobre uma larga maioria de “revolucionários” da 25ª hora que, durante o PREC e nos anos seguintes, levaram a cabo acções terroristas de toda a espécie e terão as mãos sujas de sangue inocente. Igualmente estão por identificar os novos “pides” que logo a seguir ao 25 de Abril andaram à caça de “reaccionários” que foram presos sem quaisquer garantias de defesa e sem direitos mínimos, presos também eles em consequência de denúncias anónimas ou por mera suspeita devido ao estatuto social, a anteriores cargos de importância na Banca e nos negócios. A quase total maioria destes presos foi aliás libertada sem uma palavra, uma acusação e, muito menos sem um processo.
Longe de mim pretender, agora, 50 anos depois levar a cabo um processo quer do Estado Novo quer das misérias militares ocorridas. É tarde, provavelmente vítimas e testemunhas desapareceram ao mesmo tempo que tantos anos depois poderão ter desaparecido torcionários e criminosos e respectivo séquito de denunciantes, informadores e traidores. E é por isso que acções individuais e descontextualizadas merecem escasso ou nenhum crédito.
O dr. Costa poderá, querendo, pedir as desculpas que entender mas em meu nome não.