O vírus “Estaline” nas vísceras
mcr, 15-12-1
escrevi, aqui, há dias um suelto dobre o já esquecido slogan “estaline está vivo nos nossos corações”.
Um leitor atento e generoso diz-me que, também ele, acreditou na sua juventude que o ditador georgiano estaria vivo e impante no seu coração.
Por mim, o facto de Stalin (é assim que eu grafo o sr Yossip VissarionovitchDjugatchivilli) estar nuns tenros corações ignorantes porque jovens, não tem nada de mal.
O perigo é quando o vírus sobe ao cérebro. E mesmo nesse caso, não a figura do “pai dos povos#, o bigode farfalhudo, os olhos pequeninos, o ar vagamente severo que torna as coisas mal.
O stalinismo foi uma doença ad idade adulta do comunismo e traduziu-se numa curta série de princípios dogmáticos sobre a figura do chefe, o poder dele, os deveres dos restantes para com ele. A isso acrescentou-se a ideia da infalibilidade do chefe, a redução da colegialidade dos órgãos centrais do partuido a uma caricatura de unanimidade continua, a postergação da liberdade de opinião tornada crime contra o partido, e ideia de que o centralismo democrático começava desde cima. A instituição da ideia de que “o anti-partido” era um crime colectivo, extensível às famílias e provavelmente ao serviço de potências estrangeiras ou de desvios internos do sistema, o mais famoso dos quais foi o trotskismo. E pano de fundo, a colectivização forçada de todo o aparelho produtivo, a suspeita sobre todo o pensamento individual, a submissão das actividades artísticas e/ou intelectuais a um pretenso espírito de partido ouainda ao que se chamou o “marxismo-leninismo” fez o resto. Mesmo do ponto de vista social, alguns progresso foram rápida e convenientemente abolidos ou esquecidos, desde a liberdade para abortar e, em regra geral, os direitos das mulheres, das minorias sexuais e das minorias nacionais tout court.
Quando Churchill, que, de resto, nunca foi um entusiasta do regime russo (e digo russo porque neste caso foram os russos o elemento dominante e aglutinador do poder soviético, não deixando nada ou quase para as restantes nacionalidades a ucraniana incluída e aliás terrivelmente maltratada durante a grande fome.
Do estricto ponto de vista económico, a ideia do plano que tudo deveria gerir e a que tudo se deveria submeter também originou toda a espécie de desastres mesmo se a edificação a passo de corrida de uma indústria pesada (e nesse capítulo a do armamento)parecesse transformar um país semi-agriccla em 17 numa potencia industrial à morte de Stalin).
Incidentalmente, deve notar-se que os mais duros aspectos repressivos do regime permitiram o aparecimento de um formidável exército de mão de obra gratuita através da instituição do GULAG cujos detido cruzaram canais, assentaram vias férreas e estradas, trabalharam nas minas do fundo da Sibéria até morrerem de doença, fome, cansaço ou maus tratos.
De tudo isto houve sempre sinais e enúncias que nem sequer no Ocidente mais conservador tiveram especial impacto. Muito menos, obviamente entre a militância comunista do resto do mundo, cujos partidos cuidadosamente enquadrado pelo Komintern, submetidos a uma severa mas altamente discreta coordenação e intervenção interna dos enviados da 3ª Internacional que eram os correios entre a Direcção em Moscovo e a as direcçõespartidárias nacionais.
É que, em relação às duas anteriores internacionais (a 2ª de resto continuou a existir) havia uma diferença de peso: não estavam ali partidos autónomos e independentes uns dos outros mas apenas sujeitos disciplinados à moda bolchevique que tinham por missão acatar as directivas vindas do país em que “se construía o socialismo” e que devia ser preservado por todas as maneiras do cerco imperialista. Não admira, portanto, que mesmo nas nações mais expostas e ameaçadas pelo duplo crescimento do nazismo e do comunismo, consubstanciados pelo pacto Molotov-Ribentrop, os partidos comunistas locais aceitaram tudo mesmo se, vozes mais cautelosas avisassem que seriam as primeiras vítimas dessa aliança contra-natura.
Estava a França já ocupada pelo exército alemão e o partido comunista francês continuava a afirmar que a guerra era entre dois blocos igualmente condenáveis pelo que a URSS fizera bem em não se posicionar mesmo se, o seu não posicionamento significasse um dilúvio de ajudas em artigos e bens de todo o género para a Alemanha hitleriana. E na eliminação da independência da Polónia e dos países bálticos, na entrega de numerosos refugiados judeus, comunistas na generalidade, aos seus perseguidores.
Só quando a URSS foi invadida é que, subitamente, os partidos comunistas ocidentais se mobilizaram. No caso dos países ocupados, até esse momento, a Resistência anti-fascista era de origem socialista, conservadora ou radical e duramente criticada pelos comunistas (mesmo se haja conhecimento de numerosos casos individuais de militantes comunistas que desobedecendo ao partido se juntaram à luta clandestina contra o invasor).
Esta cegueira ideológica dessa época não desapareceu. Voltou a emergir nos anos sessenta, quando os efeitos de uma tímida destalinização produziram alguns ifualmente tímidos efeitos na estrutura dos partidos ocidentais e sobretudo na política da URSS.
Subitamente, porventura com a activacolaboração da RP China, começaram a surgir em todo o Ocidente pequenos grupos que contestavam as políticas locais dos respectivos PC e a política mundial da URSS. Para o efeito, e apenas emblematicamente, usaram a figura de Stalin, entretanto condenado como figura de proa de uma renovação do espírito do comunismo puro e duro de 17.
Junte-se-lhe a descolonização, a emergência do 3º Mundo, a revolução argelina ou a cubana e a continuidade da guerra de libertação do Vietnam (primeiro contra os franceses vencidos em Dien Bien Phu e pouco depois substituídos pelos americanos que ajudavam o Vietnam do sul).
A irrupção da juventude (desde os Estados Unidos ou o México, até à Alemanha Ocidental e depois à França e à Itália) chegou obviamente a Portugal, com a ajuda da eclosão da guerra de África, a partir de 61 mas sobretudo crescentemente visível em 63/64 e massificada a partir de 1959.
Não vale a pena (ou antes valeria mas demoraria o espaço de mais três posts) ir verificar a queda de popularidade do PC nacional entre os jovens progressistas portugueses (fundamentalmente os universitários, claro). Aconteceu, a guerra soprou as chamas da indignação, primeiro, da revolta (e do medo de morrer, evidentemente), depois. Tratou-se fundamentalmente de pequenos grupos, que aliás se iam dividindo, reunindo ou dispersando sem qualquer espécie de ordem, facilmente detectados pela polícia (ou mesmo denunciados por outros concorrentes basta lembrar as primeiras denúncias em letra de forma contra a FAP e os seus três principais dirigentes qualificados de ”provocadores”. O 25 de Abril possibilitou uma nova explosão de grupos e consequentemente uma enorme dificuldade em os diferenciar substancialmente. Todavia, a consolidação da democracia foi-os eliminando sem dificuldade de maior, por desistência de unsm absorção de outros até ao último redutos de iludidos lutadores que em nome das FP 25 abateram uma boa dúzia de pessoas cujo papel “imperialista, capitalista” ou outro qualquer era inexistente. Sem ideologia capaz, sem organização eficiente, sem educação política que se visse foram rapidamente caçados pela polícia e depois, mercê de um a lei miserável que protegia a cúpula da organização, acabaram sem sentenças especiais. A morte das vítimas foi ignorada e os assassinos , pelo menos os que ainda estão vivos, gozam uma tranquila velhice. No mesmo cao estão uns milhares de miseráveis que, durante os anos de chumbo, forneceram à polícia informações sobre militantes políticos ou por vingança ou a troco de dinheiro. Outra lei infame veio proteger os seus nomes infamados por cinquenta anos se não estou em erro. É o país dos brandos costumes que temos. O mesmo que assiste ao fim de processos de corrupção conta antigos políticos por prescrição e que, talvez, vá assistir à tranquila libertação do sr Rendeiro por o Ministério Público não ter tradutores!... E nunca se ter preocupado em, o momento vindo, ter as coisas prontas...
É pró que estamos.
Uma pequena anedota sobre os estalinistas. Conheci bem (e cruzei-me com ele, várias vezes inclusive politicamente) o Pedro Baptista, um dos enérgicos líderes de uma pequena seita maoísta (fundamentalmente) portuense de que fui, em meia dúzia de casos defensor pro bono em processos estudantis.
Quando lhe disse como se chamava Stalin, e qual o seu pseudónimo de juventude (Koba) quando assaltava bancos para encher os cofres depauperados do partido, ficou espantado pois nunca tinha lido sequer uma nota biográfica do ditador. E muito menos as suas duas obrinhas sobre a nacionalidades e sobre as questões do leninismo! Isto diz tudo, ou uma boa parte, do estalinismo cardíaco de alguns jovens portugueses que confundiram a sua generosidade com um vago culto da personalidade de um déspota georgiano. De facto o slogan, naquele caso, era um mero desafio a um establishment “revolucionário” consubstanciado pelo PC e aliados. Nada mais. Ainda bem!
Vai esta dedicada a um amigo que me ofereceu um livro ontem chegado e que confessou também ele ter usado o mote. Dessa escapei eu, por ser mais velho, por ter lido a tempo alguma história e por ter sido genro de Jorge Delgado (Sérgio na clandestinidade) que conhecia (e detestava) o estalinismo sob todos os ângulos.